Pense Nisso | Centro América FM Rondonópolis - Easy | Cadena
VOLTAR PARA EPISÓDIOS

É preciso saber morrer

18/01/2021 06:45 | DURAÇÃO 6:08

Notas do Episódio

É PRECISO SABER MORRER Depois que nascemos só temos uma certeza: nós vamos morrer! E paradoxalmente vivemos como se ela, a morte, não existisse. Se a morte é uma das poucas certezas da vida, por que temos tanta resistência em aceitá-la com a naturalidade que lhe é inerente? Talvez, por isso, vivemos com tanto medo...com tantas ansiedades. É esse medo da morte, esse medo de morrer antes de ter realizado o que desejamos ou de ver nossos filhos crescerem. É isso o que mais nos perturba. Devemos ter em mente que a morte é parte da vida, querendo ou não, e ignorar essa verdade essencial tem um custo psicológico pesado. Neste sentido, não é desproposito algum, propor que se medite cinco minutos por dia a respeito da morte. Isso vai, com o tempo, nos deixando menos ansiosos e perturbados diante do inevitável. Foi publicada no New York Times no dia 19 de fevereiro de 2015, uma matéria intitulada “Oliver Sacks: Minha Própria Vida”. Nela o escritor e neurologista declara ter descoberto um câncer em estado terminal. É uma belíssima reportagem onde o mesmo relata seus sentimentos diante de tal revelação. Oliver encara a morte como um processo natural e mostra gratidão pela vida que teve. “Não posso fingir que não estou com medo. Mas meu sentimento predominante é de gratidão. Amei e fui amado; recebi muito e dei algo em troca; li, viajei, pensei e escrevi. Tive uma boa relação com o mundo”– escreveu Oliver. Se a morte é uma das poucas certezas da vida, por que temos tanta resistência em aceitá-la com a naturalidade que lhe é inerente? Talvez, porque vivemos em uma sociedade pautada no apego. Nossa jornada é baseada em acumular, e dessa forma é praticamente impossível ter o desprendimento necessário para aceitar que nosso tempo, ou de entes queridos, por aqui possa estar no fim. É muito comum relacionarmos a morte com dor, desespero e sofrimento, essa é a atitude esperada quando lidamos com este assunto. Cada um desses sentimentos está intrínseco em nós culturalmente, socialmente e religiosamente. Porém, não é necessário ser dessa forma, no caso de Sacks houve uma quebra de tabus em relação a um tema tão pouco explorado. “Depende de mim agora escolher como levar os meses que me restam. Tenho de viver da maneira mais rica, profunda e produtiva que conseguir” – disse Oliver, nos seus últimos dias de vida Todos têm medo do desconhecido, porém pode ser mais digno aceitar vivê-lo com intensidade e gratidão, do que se revoltar diante de uma situação irreversível como a morte. Certo dia, enquanto arrancava do jardim as ervas daninhas, perguntaram a São Francisco de Assis: Irmão Francisco, se você soubesse que morreria hoje, o que faria? Francisco descansou o ancinho, por um instante. Seus olhos, apagados para as coisas do mundo passageiro, pareceram contemplar paisagens interiores de beleza. Suspirou, pareceu mergulhar o olhar para o mais profundo de si e respondeu, sereno: Eu? Eu continuaria a capinar o meu jardim. E retomou a tarefa, no mesmo ritmo e tranquilidade. Quantos de nós teríamos condições de agir dessa forma? A morte nos apavora a quase todos. Tanto a tememos que existem os que sequer pronunciamos a palavra, porque pensamos atraí-la. Outros, nem comparecemos ao enterro de colegas, amigos, porque dizemos que aquilo nos deprime, quando não nos atemoriza. Algo como se ela nos visse e se recordasse de nos vir apanhar. E andamos pela vida como se nunca fôssemos morrer. Mas, de todas as certezas que o mundo das formas transitórias nos oferece, nenhuma maior que esta: tudo que nasce, morre um dia. Assim, embora a queiramos distante, essa megera ameaçadora que chega sempre em momentos impróprios, ela vem e arrebata os nossos amores, os desafetos, nós mesmos. Por isso, importante que vivamos cada dia com toda a intensidade, como se nos fosse o derradeiro. Não no sentido de angústia, temor, mas de sabedoria. Viver cada amanhecer, cada entardecer e cada hora, usufruindo o máximo de aprendizado, de alegria, de produção. Usar cada dia para o trabalho honrado, que nos confira dignidade. Estar com a família, com os amigos. Sorrir, abraçar, amar. Realizar o melhor em tudo que façamos, em tudo que nos seja conferido a elaborar. Deixar um rastro de luz por onde passemos. Façamos isso e, então, se a morte nos surpreender no dobrar dos minutos, seguiremos em paz, com a consciência de que vivemos na Terra doando o nosso melhor. Lembre-se, é preciso saber morrer. Pensemos nisso.